No
século XIX o Engenho de Água Comprida pertencia a tradicional família baiana,
os Teive e Argolo e suas origens remontam aos primórdios da colonização
brasileira. João de Teive e Argolo e Ana Cypreste de Pina e Mello de Teive e
Argolo casaram-se e após a morte de seu esposo, seu filho João de Teive e
Argolo passou a administrar suas propriedades. Este se casou com Leonor Maria
Pires de Aragão Bulcão, filha de uma importante família aristocrática baiana
(SILVA, 2017). O engenho de Água Comprida
ficava na Freguesia de São Miguel do Cotegipe, hoje Simões Filho, e junto com a
Freguesia de Pirajá, Iguape, as Vilas de São Francisco e Santo Amaro constituía
os principais centros de produção açucareira no Recôncavo.
O
Tanque do Coronel hoje pertencente à região do Cia II (em Simões Filho) é uma
localidade rodeada de lendas. Consta segundo a população local que o manancial
é mal assombrado e a noite é fácil ouvir ladainhas, gemidos de dor e choros.
Tudo isso por conta de um Coronel que usava de violência com seus escravos. Amarrava-os
a um pelourinho e ali os cativos sofriam as maiores violências. Em entrevista
com o morador do bairro, residente no mesmo a mais de 26 anos e pescador; há
alguns anos atrás mergulhadores verificaram que existiam ainda correntes no
fundo do Tanque. O local ainda conta com a história de pessoas que ao entrarem
para se banhar saíram de lá loucas, sem falar nos inúmeros afogamentos que já
foram presenciados ali, e, que a população delega a culpa aos acontecimentos
sobrenaturais que rodeiam o local.
Desenho que representa a história contada pela população local. Desenho de Alessandro Couto Maia.
Silvestre após fugir procurou Carigé e contou
que João de Teive e Argolo “senhor moço” estava acostumado a castigar os
escravos do engenho, fato que era de conhecimento de sua mãe ao qual durante
diversas vezes presenciou os feitos sem dizer absolutamente nada (SILVA,
2017). Além de Silvestre, os escravos
Tibúrcio e Teotônio, ambos carreiros, haviam sido também castigados por
demorarem com o carro no mato. O escravo Teotônio pertencia ao tio de João,
Miguel de Teive e Argolo dono do Engenho Novo de São João, porém estava
alugado. Maus tratos no final do século
XIX eram atitudes senhoriais que vinham sendo condenadas frequentemente,
principalmente com a veiculação constante que se fazia destes acontecimentos no
jornal abolicionista Gazeta da Bahia. Foi utilizando deste argumento que Carigé
acusou João de Argolo e Teive de assassino, tentando chegar a um acordo com o
senhor para a liberação da alforria do cativo, porém sem sucesso.
No
entanto, a versão de Silvestre não teve confirmação. Pois, intimados a depor
como informantes vários escravos do engenho de Água Comprida, como: Vicente,
Tibúrcio, Teotônio, Eufêmia, Paulino, Romana, Guilherme (este último, seu irmão)
e o liberto Sinfrônio negaram a acusação, afirmando que nunca ouviram falar de
assassinato e Damião vivia doente e morrera de cansaço. Agregados moradores ou
trabalhadores do engenho também confirmaram essas acusações. Assim como o
proprietário Manoel Pereira da Rocha, de 82 anos, morador na Fazenda Dambé, o
lavrador Bento de Oliveira, de 62 anos, o mestre de açúcar Manoel Joaquim
Barbosa, de 70 anos, e o oficial de carpina Manoel Paulo da Costa. Todos eles
também atestaram a boa conduta de João de Teive e Argolo no tratamento dos
escravos, confirmando que no engenho existia uma enfermaria com a enfermeira Eufêmia
que cuidava dos doentes na ausência do médico (SILVA, 2017). Em depoimento João
de Teive e Argolo, afirmou que quando assumiu a administração do engenho de sua
mãe já encontrou o escravo Damião inválido pela gravidade da moléstia de
inflamação geral que o escravo sofria, e mediante as orientações médicas dadas
por seu primo, o Dr. José de Teive e Argolo (falecido em 1879), empenhou-se em
tratar de Damião, tendo inclusive encarregado outro escravo mais velho de
fiscalizar se este estava tomando o preparado de ferro que lhe fora receitado.
Entretanto, mesmo com estes cuidados o escravo vivia constantemente doente, e
por isso veio repentinamente a falecer.
Desta
forma, não existindo qualquer pista ou contradição nos depoimentos prestados, o
delegado Antônio José Marques concluiu o inquérito julgando improcedente a
denúncia feita pela Libertadora Bahiana. E o suposto crime cometido em 1874
nunca veio à tona, embora tenha ficado na memória dos cativos dali (SILVA,
2017). Acreditamos que através da oralidade que esta história foi se mantendo
viva até os dias de hoje na História Local dos moradores de Simões Filho. Desta
forma, Tanque do Coronel que é ponto de entretenimento da população
simõesfilhense, também, faz parte da Cultura da cidade, como um patrimônio
imaterial.
Ana Cláudia Lopes
Licenciada em História pela UFRB
Referência:
ALBUQUERQUE,
Wlamyra R. de. O jogo da dissimulação: abolição e cidadania negra do Brasil;
Wlamyra R. de Albuquerque- São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
HORA, Antônio Apolinário da. História Comprida/ Antônio Apolinário da Hora.- Simões Filho: Secretária de Cultura e Desportos, 2005.
MATTOSO,
Kátia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil / Kátia M. de Queirós Mattoso:
tradução James Amado.— São Paulo: Brasiliense, 2003.
SILVA,
Ricardo Tadeu Caires. CAMINHOS E
DESCAMINHOS DA ABOLIÇÃO: ESCRAVOS, SENHORES E DIREITOS NAS ÚLTIMAS DÉCADAS DA
ESCRAVIDÃO (BAHIA, 1850-1888). Dissertação (mestrado) – UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ-
UFPR - SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
HISTÓRIA. Curitiba, 2017.
http://www.suapesquisa.com/historiadobrasil/lei_eusebio_queiros.htm
(acessado em 28/04/2017 às 6:40).
http://www.historiadobrasil.net/brasil_monarquia/leis_abolicionistas.htm
(acessado em 28/04/2017 às 8:30).
|